domingo, 11 de março de 2012

Desespero que não é mais moda


A vida é ingrata. Ingrata porque, fosse justa, essa noite de domingo teria acontecido em 1992. Certamente choraria uns pingos a mais e me arrebentaria quando uma canção como I Know It's Over começasse a ser balbuciada, atropelando a introdução.

Mas, graças à vida, a gente pode rir do desespero e pensar que talvez ele tenha sido moda apenas em 1973 ou 1976, de acordo com a versão de A Palo Seco que você escutar. Como nasci entre essas duas datas, sou o old-fashioned boy do desespero. Não tem mais graça, não tem mais moda, eu só quero me desesperar um pouco. Deixa?

O desespero, nesse domingo de chuva rápida e intensa, que cismou de cair justamente quando esperava na fila, terminou assim que vi o primeiro tom de amarelo saindo das mangas da camisa de Steven Patrick Morrissey. Me atrevi a adiar o desespero por alguns minutos, 80 para ser mais exato.

Deixei um sorriso escapar em First of Gang to Die. E outros nas séries de músicas da carreira solo, como Let Me Kiss You e Everyday is Like Sunday, uma metáfora para o que acontecia ali, naquele lugar sem alma mas ao mesmo cheio de almas vagando desde o palco. Corpo e alma, coração e alma, como Morrissey repetiria até o fim.

Um traço de lágrima escorreu quando duas baquetas se encontraram e, atropelando a introdução como a versão ao vivo eternizada no disco Rank, Morrissey começou a executar I Know It's Over, que é A MÚSICA DA MINHA VIDA. Era aos 16, continua hoje.

Ao todo, foram sete músicas do repertório da antiga banda. Lamentações, amores perdidos e desespero, claro. Mas todas, cantadas por um homem com mais de 50 anos, soam debochadas, como se a adolescência passasse e a gente continuasse achando lindo morrer sob um caminhão de 10 toneladas ao lado da pessoa amada.

É claro que não acha mais. Mas é essa nostalgia da inocência que provoca um riso de conforto e um choro de se agarrar ao amor, verdadeiro ou não. A adolescência passou, mas o vácuo de um amor completo, que se possa entregar e ao mesmo tempo receber a entrega, continua. Como na manjada How Soon Is Now, em que o melhor é saber que, humanos, merecemos ser amados. Aos 36 anos, já somos? E se não, o que falta?

Um gongo gigante soou algumas vezes durante o show. Talvez ele servisse para acordar alguns fãs de que Morrissey não é mais o garoto platônico e assexuado dos anos 80. Ele escolheu seguir outros caminhos, montou uma série de boas bandas de rockabilly e foi se encontrar na Califórnia, rodeado de meninos. Ele não canta mais o sofrimento. Nessa carreira solo, uma das músicas mais intensas é Speedway, que fala... sobre um desentendimento com um jornalista do New Musical Express!!!

Ou seja, a vida segue. E o que era desespero em 1986 hoje é piada - não uma qualquer, mas um híbrido de ironia britânica e humor judaico, de autocomiseração. Nada que não nos faça rir e chorar ao mesmo tempo. Um pouco de vida em um domingo cinzento e silencioso demais, mas salvo por um mancuniano, o maior de todos.